Portal Tributário Obras Eletrônicas Cadastre-se Tributos Boletim Downloads

Tamanho do Texto + | Tamanho do texto -

POSSIBILIDADE DE REVERSÃO POR VIA JUDICIAL DA REDUÇÃO ILEGAL DOS BENEFÍCIOS DO PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR (PAT)

Maria Lucia de Moraes Luiz - 13.07.2022

Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP

Coordenadora em Direito Tributário da TECH Advogados 

O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) é iniciativa governamental instituída pela Lei nº 6.321/76 que busca promover a melhoria das condições nutricionais dos trabalhadores, aumento da qualidade de vida e da produtividade no ambiente laboral.

A contraponto, as despesas incorridas para estabelecimento do PAT pelas empresas geram a possibilidade de dedutibilidade em dobro do valor dispendido e destinado ao PAT, com limites estabelecidos em lei, gerando a redução do Imposto de Renda para Pessoas Jurídicas (IRPJ).

Contudo, recentes modificações legislativas promovidas pelo Decreto nº 10.854/2021 reduzem ilegalmente os benefícios fiscais, gerando judicialização do tema com recentes decisões favoráveis aos contribuintes.

Em resumo, as ilegalidades que vem sendo revertidas são:

(i)  Estipulação de redução do benefício do imposto de renda devido, enquanto a lei estabeleceu a dedução diretamente do lucro tributável, gerando assim um aumento ilegal do tributo a pagar;

(ii) Determinação que a dedução seria do valor equivalente à aplicação da alíquota do IR sobre as despesas de custeio do PAT, enquanto a Lei prescreve a dedução do lucro tributável do dobro das despesas com o PAT;

(iii)  Estabelecimento de limitação de dedução dos funcionários que recebam até 5 salários-mínimos; e,

(iv)  Obrigação de abranger apenas a parcela do benefício que não exceda a um salário mínimo.  

Vejamos detalhadamente sobre o assunto adiante.

1.       HISTÓRICO LEGISLATIVO E BENEFÍCIOS FISCAIS DO PAT:

Como forma de estimular a adesão ao programa, o art. 1º da Lei nº 6.321/76 autoriza que a pessoa jurídica adepta ao PAT deduza, na apuração do lucro tributável para fins de IRPJ, o dobro das despesas comprovadamente incorridas com o programa.

Retornando ao previsto pelo Decreto nº 5/91 — que regulamentava a Lei nº 6.321/76 —, o Decreto nº 10.854/2021 recentemente publicado determina que os gastos com o PAT sejam deduzidos em dobro somente do Imposto de Renda devido do montante equivalente à aplicação da alíquota básica sobre referidas despesas, desconsiderando a expressão “lucro tributável” prevista na Lei nº 6.321/76.

Deste modo, o Decreto nº 10.854/21 reduziu ilegalmente o benefício estabelecido em lei, ou seja, deixando de fora do cálculo de apuração do crédito o valor do imposto devido em decorrência do adicional de 10% do IRPJ.

A edição e publicação do Decreto nº 10.854/21, contudo, não foi sem motivo. Isto porque a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem reiteradamente decidido pela ilegalidade promovida por decretos que reduzem o teor estabelecido em lei, sobretudo em discussões envolvendo o Decreto nº 5/91 e suas instruções normativas.

Portanto, a promulgação do Decreto nº 10.854/21 é roupa nova para um antigo parasita, maldosamente travestido para evitar a discussão por meio do processo legislativo.

Referida previsão, destaque-se, acarreta na majoração ilegal do valor a ser recolhido a título de IRPJ, uma vez que, de acordo com o que dispõe a Lei nº 6.321/76, os gastos com PAT devem ser deduzidos diretamente do lucro tributável, que reflete não só no imposto a recolher à alíquota básica mas também de seu adicional de 10%.

Como o Decreto extrapolou os limites da Lei, ao diminuir as despesas dedutíveis e, portanto, aumentar o IRPJ a pagar, milhões de contribuintes procuraram o Poder Judiciário que, de modo quase unanime, afastou as ilegais limitações do Decreto.

O Decreto nº 10.854/2021 revogou o Decreto nº 5/91, porém, também de modo ilegal, mitigou a Lei nº 6.321/76 ao limitar as despesas dedutíveis com o PAT, majorando, portanto, o valor de IRPJ a pagar.

Como o Decreto extrapolou os limites da Lei, ao diminuir as despesas dedutíveis e, portanto, aumentando o IRPJ a pagar, milhões de contribuintes procuraram o Poder Judiciário que, de modo quase unanime, afastou as ilegais limitações do Decreto. 

2.   AS ILEGALIDADES DO DECRETO Nº 10.854/2021: 

O art. 186 do novo Decreto prevê que o benefício fiscal da dupla dedução do PAT abarcará apenas a parcela do benefício pago ao trabalhador que não exceder o limite de um salário-mínimo.

Além disso, apenas os benefícios pagos a trabalhadores que percebam remuneração de até cinco salários-mínimos é que estarão abarcados pela dupla dedução. 

“§ 1º A dedução de que trata o art. 641:

I - será aplicável em relação aos valores despendidos para os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos e poderá englobar todos os trabalhadores da empresa beneficiária, nas hipóteses de serviço próprio de refeições ou de distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva; e

II - deverá abranger apenas a parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo” (destacamos)

As limitações quantitativas veiculadas no Decreto nº 10.854/2021 reduzem a abrangência do benefício fiscal sem encontrar amparo na lei, tendo em vista que a Lei nº 6.321/76 prevê que o contribuinte está autorizado a deduzir o dobro das despesas efetuadas com o PAT no momento da apuração do lucro tributável, para que, somente após tal dedução, encontre a base de cálculo do IRPJ, sobre a qual incidirá, enfim, a alíquota regular do imposto (15%), bem como o respectivo adicional de alíquota (10%): 

“Art. 1º As pessoas jurídicas poderão deduzir, do lucro tributável para fins do imposto sobre a renda o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base, em programas de alimentação do trabalhador, previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho na forma em que dispuser o Regulamento desta Lei.” (destacamos) 

O referido dispositivo legal não prevê qualquer limitação ao montante da despesa, ao contrário, assegura o direito de o contribuinte deduzir o dobro da base de cálculo do IRPJ.

Em termos práticos, o Decreto nº 10.854/21 o institui duas limitações quantitativas para fruição do benefício fiscal da dupla dedução do PAT.

a) valores dispendidos com a alimentação de trabalhadores que recebam remuneração de, no máximo, cinco salários-mínimos;

b) a parcela do gasto que não superar o valor de um salário-mínimo por trabalhador. 

Vejamos o quadro comparativo: 

3.       JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA

À época, o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência pacífica no sentido de que a imposição de limitação do valor das refeições por ato infralegal viola o princípio da legalidade:

“TRIBUTÁRIO. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR-PAT. IMPOSTO DE RENDA. INCENTIVO FISCAL. LEI Nº 6.321/76. LIMITAÇÃO. PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 326/77 E INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 143/86. OFENSA. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA HIERARQUIA DAS LEIS.

 1. A Portaria Interministerial nº 326/77 e a Instrução Normativa nº 143/86, ao fixarem custos máximos para as refeições individuais como condição ao gozo do incentivo fiscal previsto na Lei nº 6.321/76, violaram o princípio da legalidade e da hierarquia das leis, porque extrapolaram os limites do poder regulamentar. Precedentes.

2. Recurso especial não provido.

(REsp 990313/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19.02.2008, DJ 06.03.2008 - destacamos)” 

Por meio do Parecer nº  2623 /2008, a PGFN assume textualmente a orientação pacífica do STJ: 

A Fazenda Nacional tem defendido, em juízo, a legalidade dos referidos atos normativos. Todavia, o e. Superior Tribunal de Justiça entende que essas limitações são ilegais, posto que estabelecidas por normas hierarquicamente inferiores, que, indevidamente, restringem lei ordinária; que a fixação dos valores máximos das refeições através de portaria e instrução normativa viola o princípio da hierarquia das normas, eis que extrapolam o poder regulamentar. (destacamos) 

E NÃO É SÓ! 

O artigo 188 do Decreto nº 10.854/2021 estabelece que as alterações promovidas pelo artigo 186 do Decreto entrarão em vigor trinta dias após a data de sua publicação, ou seja, a partir do dia 10.12.2021, violando, assim, o princípio da anterioridade anual.

Tratando-se de benefício fiscal relativo ao IRPJ, a previsão legal é bastante clara: norma que institui ou majora tributos não terá aptidão para produzir seus efeitos no mesmo exercício financeiro da publicação do dispositivo legal, para que o contribuinte goze de tempo razoável para adequar-se à nova exposição tributária.

4.   ILEGALIDADE DO DECRETO Nº 10.854/21 E JURISPRUDÊNCIA RECENTE

A jurisprudência atual é sólida no sentido da ilegalidade do Decreto nº 10.854/2021.

No Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), a desembargadora da 4ª Turma, Monica Autran Machado Nobre, confirmou liminar que já havia sido concedida em primeira instância. Entendeu que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) “é firme no sentido de que as normas infralegais que estabelecem custos máximos das refeições individuais dos trabalhadores para fins de cálculo da dedução do PAT, bem como aquelas que alteram a base de cálculo da referida dedução para fazê-la incidir no IRPJ resultante, ofendem os princípios da estrita legalidade e da hierarquia das normas” 

Na mesma toada, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JFRS), deferiu medida liminar restando consignado que “No mesmo sentido, as disposições do art. 186 do Decreto nº 10.854/21, que restringem a dedução do PAT a valores pagos a título de alimentação para os trabalhadores que recebam até cinco salários-mínimos, limitada a dedução ao valor de, no máximo, um salário-mínimo, impõem limitações a benefício fiscal não previstas em lei e consubstanciam nova extrapolação do poder regulamentar, potencialmente ilegal.” 

5.  MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.108 E O PAT

Em razão de inúmeras decisões favoráveis, o Governo Federal, tentou – de forma frustrada – remediar as ilegais limitações previstas, para a dedução das despesas com o PAT.

Nesse sentido, em 25 de março de 2022 foi publicada a Medida Provisória nº 1.108 — mais conhecida como MP do trabalho híbrido — que modifica o artigo 1º da Lei do PAT – a nº 6.321, de 1976, incluindo, no texto original, que as empresas poderão fazer as deduções “na forma e de acordo com os limites em que dispuser o decreto que regulamenta a lei”, sem, contudo, alterar as disposições que, de fato, levam à ilegalidade do Decreto nº 10.854/21.

Isso não modifica o entendimento da ilegalidade do Decreto nº 10.854/2021, já que, como amplamente exposto, ele extrapola os limites da Lei, o que é vedado pelo princípio da legalidade e hierarquia das normas, vez que a Medida Provisória não alterou a parte dispositiva da Lei nº 6.321/76 que trata sobre o benefício propriamente dito.


Tributação | Planejamento Tributário | Tributos | Blog Guia Tributário | Publicações Fiscais | Guia Tributário Online | Boletim Fiscal e Contábil | 100 Ideias | Boletim Trabalhista | RIR | RIPI | ICMS | IRPJ | IRPF | IPI | ISS | PIS e COFINS | Simples Nacional | Cooperativas | Artigos | Contabilidade | Guia Trabalhista | Normas Legais