Portal Tributário Obras Eletrônicas Cadastre-se Tributos Boletim Downloads

Tamanho do Texto + | tamanho do texto -

A difícil tributação do comércio eletrônico brasileiro

 Luiz Henrique Rodrigues Bento  e  Rodolfo Resende Margherito (*) - 08.12.2014 

Sabemos que evolução da ciência jurídica nem sempre acompanha a evolução social. Cabe aos operadores jurídicos raciocinar a solução dos casos concretos, tendo por base o direito posto que se apresenta em sua época. A internet como grande mudança do mundo, iniciada no século anterior e propagada no atual, vem trazendo mudanças radicais em conceitos fundamentais aos operadores jurídicos de todos os segmentos. O campo do direito tributário, por exemplo, se apresenta bastante fértil para novas teses e discussões. Questões como domicílio fiscal, estabelecimento permanente; competência e jurisdição tributária; hipóteses da não tributação; proteção da propriedade intelectual, entre outros, sobre os quais se alicerçam os sistemas jurídicos em geral, estão abalados. 

Do ponto de vista legal-técnico ainda há muito para se evoluir/regularizar. Na verdade, há ainda muitos conceitos para serem compreendidos, para que então se possa pensar em regularizar. Para que haja uma “correta” regularização dos institutos há que haver a participação direta da sociedade civil, em todos os assuntos.  É necessário que se busque, em uma via dupla eficiência na condução da tecnologia, mas também proteção ao desenvolvedor intelectual, preservação e manutenção das ideias existentes, assim como, a propagação e o fomento das novas ideias. 

Tudo isso envolve um conjunto sistemático de ações que passam pela segurança jurídica da proteção da propriedade intelectual, pela tributação do investidor ou patrocinador daquela ideia e, pelos mecanismos de controle e fiscalização da utilização daquela ideia pelos usuários finais. O tratamento jurídico dos fatos econômicos digitais, entretanto, apresenta diversas dificuldades. Especificamente na tributação surgem problemas tais como: 

a) fixar a ideia de "estabelecimento virtual" e os possíveis conflitos de competências entre os entes tributantes, como por exemplo, o município ou o estado detêm o poder de tributação sobre os provedores de acesso à Internet?; 

b) qual o tipo de imposto deve ser recolhido, o ISS- Imposto sobre serviços de qualquer natureza ou o ICMS- Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação ? ; e 

c) validar a noção de comércio eletrônico, mercadoria, mercadoria virtual, estabelecimento, estabelecimento tributário, estabelecimento virtual. Diante desses e outros fatos, a discussão em torno do direto da informática no Brasil, “in latu sensu” se torna gigantesca e, um campo bastante fértil aos operadores dos instrumentos jurídicos.

Como já é de conhecimento dos empresários brasileiros, o arcabouço de leis tributárias é extremamente complexo no Brasil e por muitas vezes fator decisivo na viabilidade ou não de um negócio. Considerando que o código tributário brasileiro é datado originariamente de 1966, obviamente questões importantes hodiernamente utilizadas não foram previstas. Enquanto se afigura como nova e complexa situação, seja no âmbito econômico, seja na social ou tecnológico, a tributação das atividades ocorridas na internet demanda uma avaliação ponderada, desde a análise das hipóteses, da não tributação, até a delimitação de novos conceitos jurídicos.

Recentemente o Conselho Nacional de Política Fazendária - (CONFAZ) entendeu que o serviço de acesso à internet se caracteriza como serviço de telecomunicações e que, portanto, estaria sujeito à incidência do ICMS e não do ISS.  No que diz respeito ao ICMS, dispõe o texto constitucional em seu art. 155, II, que compete aos Estados a instituição desse imposto. Por uma visão inicial, assim, os provedores deveriam ter sua atividade atingida pelo ICMS. Ocorre, no entanto, que conforme a Lei de Telecomunicações (Lei 9.472 de 16 de 1997), o provedor de internet não possui natureza de serviço de comunicação, mas de serviço adicionado.

Em nosso entendimento os provedores de acesso fazem com que o usuário possa, através deles, ter acesso à internet. Caso não haja o serviço de telefonia, seja ela móvel, fixa ou através de banda larga, agregado a esse serviço de conexão à internet, não há acesso à internet. Por esse motivo, entendemos que se a telefonia é um serviço de telecomunicações, o serviço de provimento de acesso é um serviço adicionado ao serviço de telecomunicações, e o serviço adicionado, pelas próprias palavras da lei, não se confunde com o serviço de telecomunicações. 

De outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, através do voto da Ministra Denise Arruda já se posicionou pela NÃO incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos provedores de acesso, assim decidindo o Recurso Especial 658626/MG, 2004/0069532-8 : “ Efetivamente, a incidência de ISS pressupõe o enquadramento do serviço em alguma das hipóteses previstas na lista da Lei Complementar 116/2003, considerando, entretanto, sua taxatividade e a impossibilidade de interpretação extensiva dos itens nela contidos. 

Desse modo, tendo em vista que os provedores de acesso à internet executam serviço de valor adicionado, isto é, serviços de monitoramento do acesso de usuários e de provedores de serviços de informações à rede mundial de computadores, colocando à sua disposição os dados ali existentes, não há previsão legal em que se possam incluir esses serviços entre aqueles sujeitos à incidência de ISS.

Conclui-se, portanto, que tendo em vista o caráter de serviço adicionado dos provedores de internet não há tributação do ICMS. Tal serviço deveria ser tributado pelo ISS, mas, atualmente, a lista de serviços da LC 116/2003 não contempla tal serviço, impossibilitando a tributação desse serviço por meio do ISS.

Logo, os provedores de acesso exercem atividade não sujeita ao ICMS, mas ao ISS, dependendo, para que seja tributada, de lei complementar que a coloque em lista de serviços. '(Trecho do voto do Ministro Francisco Falcão, Relator do REsp 736.607/PR, 1ª Turma, DJ de 19.12.2005.

Considerando a definição acima, conclui-se que o website pode ser um dos instrumentos de publicidade mais eficientes dos que existem. Serve de apoio a campanhas de publicidade de outros meios de comunicação como o rádio, televisão, jornal, placas, folhetos etc. Podem constituir um empreendimento completo ou parcial prestando serviços, vendendo produtos ou simplesmente informando com custos reduzidos em relação ao negócio "não virtual".  Importante mencionar que embora sejam instrumentos de comunicação são também interlocutores ou ferramentas para a concretização das tradicionais transações, reproduzindo os modelos jurídicos do comércio já praticados. 

A tributação dos sites de intermediação e compras coletivas 

Por definição, website ou site é um conjunto de páginas web, isto é, de hipertextos acessíveis geralmente pelo protocolo HTTP na internet. O conjunto de todos os sites públicos existentes compõe a World Wide Web. As páginas num site são organizadas a partir de um URL básico, ou sítio, onde fica a página principal, e geralmente residem no mesmo diretório de um servidor. As páginas são organizadas dentro do site numa hierarquia observável no URL, embora as hiperligações entre elas controlem o modo como o leitor se apercebe da estrutura global, modo esse que pode ter pouco a ver com a estrutura hierárquica dos arquivos do site.

Trata-se de um conceito que se aplica a qualquer modalidade de transação comercial que implique na transferência de informações pela internet, podendo abranger desde leilões, comércio de mercadorias e bens e até serviços, sendo que os negócios entre empresas designam-se por B2B (business to business) e por B2C (business to consumer), temos os negócios que destinados aos consumidores.

Do ponto de vista dos bens tangíveis a internet se apresenta como sendo um intermediador de transações já existentes em nosso direito e, de economia tradicional. Se há a compra e venda de um livro ou um sapato pela internet, a relação está sendo entre o vendedor e o comprador da mercadoria. A internet está sendo meramente o meio, o intermediador. Não há o que se falar em regra específica para economia virtual nesse caso. 

Para ocorrer o serviço de intermediação são necessários três sujeitos de Direito: um comprador, um devedor e aquele que se intercala, intervém, intercede, ou seja, o intermediário, que não é parte. O objeto a ser negociado pode ter natureza jurídica financeira, comercial, prestação de serviço de intermediação.

Os sítios eletrônicos funcionam como ponte de ligação entre estes fornecedores e os potenciais consumidores e é por este serviço de agenciamento que as empresas mantenedoras dos sítios eletrônicos recebem.

Ao verificar a tabela anexa à Lei Complementar nº. 116/2003 nota-se que este serviço enquadra-se no item 10 – Serviços de Intermediação e Congêneres, em seu subitem 10.10 – Distribuição de Bens de Terceiros, devendo, portanto, haver a tributação do ISS sobre este serviço.

No caso da transação em si, (compra e venda) os meios de se recolher o imposto ou os tributos incidentes nessa operação, em se tratando de bens tangíveis, já estão em uso e, existe toda uma legislação que deve ser aplicada. O vendedor vai ter que recolher o ICMS, e o mesmo vai recair sobre o preço, o comprador (entre aspas) vai ser o contribuinte de fato da história. Se quiser sonegar, o vendedor não emitirá nota fiscal e em caso de fiscalização a mesma ocorrerá ao vendedor e, não ao site. Ou seja, em se tratando de bens tangíveis o direito tributário hoje já existe e regula as possibilidades de recolhimento ou de evasão são perfeitamente delimitadas pelas normas atuais. 

Produtos Virtuais e Comércio por Download em Geral 

Os chamados produtos virtuais ou digitais representam uma revolução à parte. Músicas, livros, softwares circulam através de cabos eletrônicos para chegar ao adquirente. Definir quantos e quais tributos deixa de incidir é tema controvertido. A incidência de ICMS em tais situações é defendida pelo uso da analogia ao tratamento da energia elétrica, de natureza incorpórea. Porém, o uso da analogia não pode criar tributo inexistente na legislação.

O Supremo Tribunal Federal já se posicionou pela incidência de ICMS apenas sobre os softwares vendidos em escala, em prateleiras, quando devem ser consideradas mercadorias, emitindo pronunciamento do qual é possível deduzir a não incidência sobre os produtos digitais enviados pela Internet. Assim, decidindo o Recurso Extraordinário 199.464, DJU 18.02.2000, "No julgamento do RE 176.626, Min. Sepúlveda Pertence, assentou a Primeira Turma do STF à distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar standard de programa de computador, também chamado 'de prateleira', e o licenciamento ou cessão do direito de uso do software”.

“A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus “mechanicum” da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS."

Em diversas decisões e soluções de consultas temos observado que o elemento corpóreo é um grande balizador da incidência ou não do ICMS. Historicamente, o conceito de mercadoria recai obrigatoriamente, na coisa corpórea. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que no comércio por download dos produtos virtuais (livros, músicas, filmes, cursos pré-gravados, etc..) não haverá tributação do ICMS por não haver o elemento corpóreo da mercadoria. Corroboramos o entendimento do STF de que o ICMS somente incidirá na operação em que há materialização corpórea da atividade intelectual e, consequentemente, circulação física dessa mercadoria.

Fazemos tal afirmativa também com base na RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA N° 234, DE 10 DE JUNHO DE 2011 ao qual afirmou que: “As Operações com programas para computador (licenças para uso de "softwares") realizadas exclusivamente por "download" (internet) estão inseridas no campo de incidência do ICMS, mas devido à inexistência de suporte informático (cujo valor é exigido para compor a base de cálculo), não é devido o imposto. Há obrigatoriedade de emissão do documento fiscal antes de iniciada a saída da mercadoria”.

Por outro lado, e, na contra mão de nosso entendimento, em resposta a consulta recente, o Estado de São Paulo se manifestou por meio da CONSULTA N° 282, DE 15 DE MAIO DE 2013 pela incidência do ICMS no caso de (e-books) LIVROS DISPONIBILIZADOS PARA "DOWNLOAD" PELA INTERNET ao qual reproduzimos abaixo:

“A transferência eletrônica de textos previamente digitalizados, adquiridos por contrato de compra e venda ou de licença de uso, é uma operação de circulação de mercadoria, sujeita à incidência do imposto estadual. Ademais, há a necessidade de emissão de Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A (artigos 124, I, e 125, I, do RICMS/2000) ou de Nota Fiscal Eletrônica - NF-e (artigo 212-O, I, do RICMS/2000 e Portaria CAT 162/2008).” 

Tal entendimento, em nossa opinião destoa da indicação recebida do STF. É difícil diferenciar a comercialização por download de uma música, livro ou de um jogo de videogame; do download de um software de prateleira. Do ponto de vista objetivo, dos fins e seu uso, não há diferença. Nesse caso, para que haja a subsunção do fato gerador do ICMS, há de existir os dois elementos: Circulação (elemento objetivo de transferência jurídica de titularidade) e Mercadoria (bem corpóreo). Em nosso entendimento há a circulação, mas não há mercadoria (do ponto de vista do ICMS e da hipótese de incidência do tributo). Por isso o fato (transação por download) é não imponível. 

O comércio do software de prateleira, assim como, das músicas, livros e outros “produtos intelectuais” digitais, passíveis de serem comercializados por “download”, em tese, deveriam seguir as mesmas regras. Infelizmente, como exposto acima, o STF apenas se manifestou, até o momento, sobre o software de prateleira, mas acreditamos que logo se manifestará sobre outras possibilidades de comércio por download e acreditamos que, seguindo o exemplo dos softwares de prateleiras, o comércio de capital intelectual não materializado em mídia não deva ser tributado. 

(*) Luiz Henrique Rodrigues Bento é advogado, tem MBA pela UFT – Rootman Business School da Universidade de Toronto (Canadá), Técnico em Contabilidade, Especialista em IFRS pelo ACCA – Association of Certified Chartered Accountant of London e sócio da RSM Internacional na área de BPO.  

(*) Rodolfo Henrique Resende Margherito é graduado em Administração e Contabilidade, Auditor registrado na Comissão de Valores imobiliários (CVM), Sócio da RSM Internacional na área de BPO.


Tributação | Planejamento Tributário | Tributos | Legislação | Publicações Fiscais | Guia Fiscal | Boletim Fiscal | 100 Ideias | Boletim Contábil | Boletim Trabalhista | RIR | RIPI | RPS | ICMS | IRPJ | IRPF | IPI | ISS | PIS e COFINS | Simples Nacional | Cooperativas | Modelos de Contratos | Contencioso | Jurisprudência | Artigos | Torne-se Parceiro | Contabilidade | Guia Trabalhista | Normas Legais | Publicações Jurídicas