Urgência do Planejamento Sucessório em face das Reformas Tributárias
Alice Grecchi - 17.02.2021
I - Utilizando
instrumentos legais, é possível não só organizar os bens pessoais e as
atividades empresariais, como realizar o planejamento sucessório, que, entre
outras vantagens, acautela as divergências familiares e evita o inventário.
Nos dias
atuais, a medida é altamente recomendável e urgente, pois, os Estados estão se preparando,
mesmo antes da reforma constitucional tributária, que, ao que tudo indica, será
implantada ainda em 2021, para aumentar expressivamente as alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa
Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD (ITCD), que existe no
Brasil desde a época da Colônia e do qual há notícias de que já era cobrado na antiga
Roma.
Neste artigo vamos
nos ater ao planejamento sucessório por meio de holding, termo que vem
do inglês to hold, que significa segurar, controlar, manter. Um
tipo de holding é a familiar.
II - Apenas
para registro, as holdings surgiram no Brasil, em 1976, com o advento da
Lei n° 6.404, a Lei das Sociedades Anônimas. No mais das vezes, participam de
outras sociedades, detendo quotas ou ações de seu Capital Social, de modo a
controlá-las.
Ao se criar
uma holding familiar, os bens das pessoas físicas são transferidos a pessoas
jurídicas, por meio de integralização ou de aumento do seu Capital Social,
caso, respectivamente, sejam constituídas ou já existam. Registre-se ser dado
às pessoas físicas transferir bens e direitos a pessoas jurídicas, a título de
integralização ou aumento de capital, desde que isso se perfaça pelo valor de
mercado ou pelo constante na declaração de bens. Nesse último caso, a pessoa
física deverá lançar as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou
direitos transferidos. De revés, se a transferência se perfizer pelo valor de
mercado e existir diferença a maior, ela será tributável como ganho de
capital. É o que, de resto, estabelece o art. 23, caput e §§ 1º e 2º, da
Lei 9.249/95; verbis:
Art. 23. As
pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de
integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva
declaração de bens ou pelo valor de mercado.
§ 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da
declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações
ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se
aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de
1977, e no art. 20, II, do Decreto-lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983.
§ 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.
III - No
concernente à imunidade do ITBI – Imposto de Transmissão Inter Vivos, na
integralização dos bens imóveis, para a constituição ou aumento de capital
social, já analisamos, em vários artigos, a decisão do STF prolatada no RE 796.376/SC
(Tema 376, da repercussão geral).
Em resumo, o Pretório Excelso decidiu, por
maioria de votos (7 a 4), que, na transmissão de imóveis, incorporados ao
patrimônio de pessoa jurídica, na integralização de seu Capital Social, há
incidência de ITBI, apenas na parte em que o valor excedente destes bens
se destina à formação de reserva de capital. Em outras palavras, deixou
assentado que a imunidade ao ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da
Constituição Federal, não alcança o valor dos bens imóveis, que, por exceder ao Capital Social a integralizar, vai para a reserva de capital.
Anote-se que,
em seu voto vencido, o Ministro Relator Marco Aurélio Mello, manteve a
imunidade integral ao ITBI, propondo a seguinte tese: “Revela-se imune, sob o
ângulo tributário, a incorporação de imóvel ao patrimônio de pessoa jurídica,
ainda que o valor total exceda o limite do Capital Social a ser integralizado”.
O Ministro
Alexandre de Moraes divergiu, no que foi acompanhado pela maioria dos seus
pares, aduzindo que “o argumento no sentido de que incide a imunidade em
relação ao ITBI, sobre o valor dos bens incorporados ao patrimônio de pessoa
jurídica, em realização de capital, excedente ao valor do capital subscrito,
não encontra amparo no inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88, pois a ressalva
sequer tem relação com a hipótese de integralização de capital”. Afirmou, ainda,
que “[r]evelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar,
sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa
jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim
a outro objetivo - como, no caso presente, em que se destina o valor excedente
à formação de reserva de capital”. Entendeu, pois, que o ITBI incide sobre a
diferença do valor dos bens imóveis que superar o do capital subscrito a ser
integralizado. Dito de outro modo, decidiu que a imunidade se restringe ao
valor destinado à integralização do Capital Social, o que ocorre quando os
sócios da pessoa jurídica quitam, com bens imóveis, as quotas por eles
subscritas.
Em suma, o
voto condutor procedeu a uma redução semântica do texto constitucional,
limitando a imunidade em tela aos imóveis destinados à imediata integralização
do capital subscrito. Assim dispôs, nada obstante a Constituição Federal e o
próprio Código Tributário Nacional desonerarem de ITBI a incorporação de bens
imóveis ao patrimônio da empresa, que, como se sabe, compreende as reservas de
capital.
A decisão do
STF, no entanto, absolutamente não autoriza os Municípios a avaliarem, de
acordo com as condições usuais de mercado, o bem imóvel que, pelo seu valor
nominal, integralizou o Capital Social da pessoa jurídica, de modo a fazer
incidir o ITBI, sobre o valor excedente.
IV- Retomando o fio do raciocínio, na holding
familiar, a pessoa física organiza a sucessão dos seus bens, integrando-os
ao patrimônio de uma empresa, o que lhe permite entregar a seus herdeiros a nua propriedade das
cotas ou ações da sociedade, da forma que entender mais adequada e proveitosa
para cada um. Além disso, conserva para si, até a morte, o usufruto dessas
participações, bem como o poder
de exercer, de forma irrestrita, a administração da holding.
Em síntese,
com a constituição da holding familiar, a sucessão formalmente se
consuma. Materialmente, porém, ela somente se efetiva com a morte do doador, pois
este, enquanto viver, continua a titularizar todos os direitos políticos e
econômicos da governança.
V-
Como se vê, a holding familiar, quando utilizada para o adiantamento de
legítima, é sobremodo conveniente, porque permite que o controlador doe suas
cotas aos herdeiros, devidamente gravadas, por exemplo, com as cláusulas de
impenhorabilidade, incomunicabilidade, reversão, inalienabilidade e vedação do
caucionamento, medidas que lhes protegem o patrimônio.
Não bastasse
isso, as Unidades da Federação, como já adiantado, pretendem aumentar as alíquotas
do imposto que incide na transmissão causa mortis de quaisquer bens e
direitos (cf. art. 155, I, da Constituição Federal).
Isso porque a
Reforma Tributária, de acordo com o Projeto de Emenda Constitucional nº 110/2019,
propõe a transferência do ITCMD, hoje de competência estatual, para a União,
com o repasse do produto arrecadado aos Municípios.
Antecipando-se,
os Estados, inspirando-se na legislação de outros países (p. ex., Inglaterra, 40%;
EUA, 40%; França, 45%; Alemanha, 50%; e, Japão, 55%), pretendem, não só elevar
as alíquotas do ITCMD ao patamar máximo de 8% (cf. Resolução n.º 9, de 1992, do
Senado Federal), como ampliar sua base de cálculo, fazendo com que alcance o precatório,
o programa gerador de benefício livre (PGBL), a vida geradora de benefício
livre (VGBL), e assim por diante.
No Estado do
Rio Grande do Sul, o ITCMD já teve suas alíquotas no patamar de 8% (oito por
cento), de acordo com a Lei 8.821/1989, editada antes mesmo da edição da referida
resolução do Senado. Posteriormente, a lei foi alterada, em face do Poder
Judiciário gaúcho a haver declarado inconstitucional. No entanto, no final de 2020,
o Governador do Estado encaminhou à Assembleia Legislativa projeto de lei para tornar
a elevá-las para 8% (oito por cento). O projeto, no entanto, foi retirado, em
face da forte pressão popular para que não vingasse.
Também o Estado
de São Paulo, mediante o Projeto de Lei nº 250/2020, em tramitação na
Assembleia Legislativa, entre outras medidas, pretende elevar a alíquota do ITCMD, de 4% para 8%.
A movimentação
dos Estados até que se justifica, pois não faz sentido determinar a reforma do
imposto sobre o consumo, do imposto sobre a renda, do ICMS etc., e não
interferir no imposto incidente nas transferências patrimoniais, derivadas da
sucessão familiar.
VI- Tudo se
conjuga, pois, no sentido da vantagem da holding familiar, em relação ao
processo sucessório tradicional.
De fato,
realizar a sucessão por meio do inventário, traz inúmeros inconvenientes. Pelo
contrário, a família reunida pode decidir pela prévia estruturação sucessória, valendo-se
do instituto da holding, que permite a adequada divisão da herança e
preserva os herdeiros das controvérsias e conflitos inerentes à maioria das
sucessões.
Diante do exposto e, de modo especial, da iminente elevação dos impostos que incidem sobre as heranças, chegou o momento de essa questão ser enfrentada, com a adoção dos instrumentos legais que regulam o planejamento da sucessão patrimonial das famílias.
[1]. Alice
Grecchi é advogada, professora de Direito Tributário e juíza do Tribunal
Administrativo de Recursos Fiscais do Rio Grande do Sul (TARF/RS) e
ex-presidente e atual vice-presidente do Instituto dos Advogados do RS (IARGS).